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Nunes Marquesgmnm@stf.jus.br

Excelentíssimos Ministros do STF,

Escrevo porque me preocupei com o RE 845.779. Registro aqui que compreendo o impacto desse Recurso Extraordinário e gostaria que Vossas Excelências considerassem meus pontos. Uma decisão do STF pode implementar uma política pública que não apenas é contrária aos interesses de mulheres e meninas, mas que nos coloca em risco direto.

A maioria dos banheiros dos espaços públicos está dividida pelo critério objetivo de sexo feminino e masculino, e o motivo dessa divisão é a proteção das mulheres e meninas. A própria Constituição Brasileira nos garante proteção baseada especificamente no sexo, em vez de proteção baseada numa performance subjetiva. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) reafirma:

“Artigo 3º. Toda mulher tem direito a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada.

Artigo 4º Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. Estes direitos abrangem, entre outros: a. direito a que se respeite sua vida; b. direito a que se respeite sua integridade física, mental e moral; c. direito à liberdade e à segurança pessoais (…)”

Mulheres e meninas precisam de tranquilidade, privacidade e proteção. Incluir pessoas do sexo masculino nos espaços em que as mulheres estão vulneráveis anula completamente essas proteções. Desde muito novas as meninas sabem que precisam estar atentas para defender sua privacidade no banheiro feminino. Alguns meninos parecem se sentir desafiados a invadir esse espaço exclusivo, e por menor que possa ser o resultado desse tipo de ocorrência, a gravidade da invasão de privacidade é geralmente diminuída, tratada como uma brincadeira, e não uma violação. Não à toa, mulheres e meninas do mundo inteiro já relataram constrangimentos, dificuldades e inseguranças no uso dos banheiros públicos. O tema é sério e a preocupação não parte de conjecturas fantasiosas, ela é baseada em minuciosa análise de ocorrências registradas nos territórios onde legislação similar foi implantada. Como mostra a matéria da BBC, o uso de banheiros é uma situação em que somos alvo para predadores: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/11/141118_galeria_banheiro_rb

Na Coréia do Sul, por exemplo, existe uma epidemia de crimes digitais relacionada com a violação de privacidade e gravação oculta de mulheres. Muitas dessas filmagens acontecem em banheiros públicos:
https://turismo.ig.com.br/2023-05-16/meu-aviso-para-as-mulheres-sobre-cameras-escondidas-na-coreia-do-sul.html

Isso já aconteceu no Brasil, como mostram duas notícias envolvendo banheiros unisex: https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2022/08/18/estudante-denuncia-ter-sido-filmada-em-banheiro-neutro-de-universidade-em-ms-humilhada-e-exposta.ghtml

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/06/16/estudante-e-indiciado-por-importunacao-sexual-apos-gravar-alunas-no-banheiro-da-faculdade-anhembi-morumbi.ghtml

Meu temor não é de que esse tipo de caos se instaure da noite para o dia. É de que caso a proposição do RE 845.779 seja aceita, qualquer homem, qualquer pessoa do sexo masculino, poderá usar banheiros e vestiários femininos. Bastará que ele se autoidentifique, seja como mulher, seja como não-homem. Além disso, qualquer indivíduo do sexo masculino poderá pedir indenização por danos morais caso seja impedido de entrar no banheiro feminino. Nós não só estaremos desconfortáveis com a presença masculina em um espaço exclusivamente feminino, mas estaremos também desamparadas legalmente em qualquer situação que ocorra conflito. Na pior das hipóteses, impedir uma pessoa do sexo masculino de entrar no banheiro feminino poderá incorrer em discriminação análoga ao crime de racismo. Como defendo os direitos das mulheres, entendo que as analogias entre autoidentificação sexual e autoidentificação racial só se sustentariam se fossem feitas no mesmo parâmetro, que seria o de pessoas brancas declarando serem negras para fraudar cotas e concursos. Gostaria de lembrar que nesses casos a tentativa de fraude é esperada, e para impedi-la existem proteções.

As mulheres, que compõem 51,5% da população do Brasil, não podem ser culpabilizadas pela violência intramasculina. Se o uso dos banheiros masculinos é alegadamente perigoso para pessoas do sexo masculino (apesar de não encontrarmos registro de tais ocorrências) por que permitiremos que pessoas do sexo masculino tenham livre acesso aos banheiros femininos?

Embora haja a possibilidade das pessoas alterarem seu aspecto físico, sabemos que o sexo é uma característica imutável nos seres humanos. Aqueles que desejam alterar sua aparência e/ou corpo merecem gozar de dignidade e direitos como qualquer outro indivíduo na sociedade. Esses direitos não podem, no entanto, se dar às custas da segurança e dignidade das mulheres e da dissolução de direitos históricos arduamente conquistados.

Recorro então a Vossas Excelências, no sentido de que voltem a atenção a discussão de tal matéria no Supremo Tribunal Federal e que, se necessário, ajam em defesa do texto constitucional, em particular o inciso IV do artigo 3 “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”, suspendendo no total uma possível aprovação do Recurso Extraordinário em questão.

Agradeço pela atenção,

Mande um email para os ministros do STF
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