A WDI Brasil enviou uma carta — idêntica — aos dois candidatos à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro. No documento, pontuamos a importância de o eleito garantir os direitos baseados no sexo, os quais foram e são prejudicados ao longo dos anos pelos governos federais — inclusive o de ambos.
Aos Excelentíssimos candidatos à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro,
A WDI — Women´s Declaration International — é uma iniciativa suprapartidária, suprarreligiosa e de abrangência internacional, que luta pela asseguração e manutenção dos direitos das mulheres e meninas baseados no sexo. Vimos, diante do iminente segundo turno das eleições presidenciais, informar a V.Exa. o que se segue.
Nos últimos anos, foram implementadas, no Brasil e no mundo, políticas públicas baseadas na existência de uma suposta “identidade de gênero”. Estas políticas ampliaram as que já existiam no século passado e que autorizavam pacientes com determinados diagnósticos psico-psiquiátricos a alterar seus documentos, pacientes estes que começaram a adentrarem espaços reservados para o sexo oposto. Na prática, isso significa, atualmente, a ampliação da ressignificação do que são homens e mulheres e a exigência de que a sociedade substitua, para diferenciá-los, o critério do sexo biológico para outros como “gênero”, “identidade de gênero” etc. Um documento crucial para a destruição dos espaços separados por sexo foram os chamados Princípios de Yogyakarta; em seu preâmbulo, lê-se:
“Compreendemos identidade de gênero a profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos.”
Nossa organização assinala o grande erro do emprego das categorias sexo, “gênero” e “identidade de gênero” como intercambiáveis e como se houvesse unanimidade sobre o que “gênero” significaria. Avisamos, também, que a supressão legal do sexo apaga a classe feminina e prejudica nossos direitos, que são baseados no sexo. Mulheres ao redor do globo, de fato, possuem diversas características distintas entre si; contudo, o que compartilham em comum é o sexo biológico, e esse em particular constitui a base da opressão histórica contra essa classe. Diferente do que é divulgado pelos que impõem essas políticas, o sexo biológico é sim a evidência material que diferencia homens e mulheres, meninos e meninas, sendo essa realidade que deveria nortear políticas públicas de atendimentos a todos os cidadãos e cidadãs brasileiros.
Além disso, as políticas de auto identificação apóiam-se largamente nos citados Princípios de Yogyakarta, documento que não tem força legal e não constitui um tratado internacional. É ofensivo reduzir mulheres a uma “vivência interna e individual” de cada sujeito. Ora, a violência sexual masculina, que subjuga as mulheres em todas as esferas da sociedade, desde o âmbito privado até a esfera pública, não é subjetiva: é material, sistemática e repousa sobre uma diferença anatômica, portanto biológica, que não deriva de uma “percepção íntima e individual” das mulheres. Igualar nossa realidade material a uma “experiência sentida” de homens que “se percebem” mulheres reduz a raiz social desta desigualdade à categoria de fantasia. Essas políticas de “identidade de gênero” foram incorporadas, por exemplo, ao Projeto de Lei João W Nery, de autoria Jean Wyllys e Érika Kokay, no ano de 2013, ambos filiados, atualmente, ao partido do candidato Lula; por outro lado, elas também estão representadas pela secretaria LGBT que integra o Governo Bolsonaro e que é comandada por indivíduo do sexo masculino de nome Marina Riedehl. Isto comprova que as políticas de destruição dos espaços por sexo, ainda que sejam criticadas por parte dos filiados dos vossos partidos, são legitimadas, de alguma forma, por esses mesmos partidos.
Visualizamos com espanto — visto que a WDI e muitos outros setores que militam em favor dos direitos das mulheres e crianças alertam e criticam a queda dos espaços separados por sexo — que a discussão acerca desse direito virou uma pauta de intensa discussão dentro e fora das redes sociais nesse segundo turno eleitoral e ainda eivada de muita controvérsia e falta de conhecimento sobre o tema. Ao invés de posicionamentos abertos e claros quanto a essa questão, o que está acontecendo é uma negativa da existência dessa pauta política e legislativa e, ainda, jogos de linguagem que fingem diferenciar banheiros unissex de banheiros “separados por gênero” quando sabemos que a perda do critério sexo torna esses espaços, na verdade, unissex. Vale lembrar que a perda progressiva dos espaços exclusivos por sexo inclui presídios, vestiários, alas hospitalares, etc.
A grande questão do embate: como os candidatos e partidos se manifestam a respeito do direito a espaços separados por sexo?
É necessário pontuar que a destruição dos espaços separados por sexo também configura um retrocesso aos direitos das mulheres. Somente em 2016 o Senado disponibilizou um banheiro feminino as parlamentares. Mulheres são perseguidas com processos administrativos por queixarem incômodo em utilizar banheiros coletivos em quartéis (o que significa, obviamente, que não existem banheiros femininos até os dias atuais). Ainda, que conforme as próprias “políticas de identidade de gênero” qualquer indivíduo que se auto declare está autorizado a utilizar das prerrogativas do “gênero que se encaixe”. Assim, a imposição de banheiros ditos “neutros”, “unissex” ou “separados por gênero” trouxe o acesso livre, irrestrito e legal de pessoas do sexo masculino aos banheiros femininos, e as mulheres não podem sequer contestar tais políticas, já que elas foram legitimadas através de decisões judiciais, projetos de lei e também porque a nossa resistência está sendo rotulada de um ato de “transfobia”.
Não precisamos de grandes pesquisas e estatísticas para demonstrar o quão perigosas são tais políticas principalmente em um país imenso e diversificado socioeconomicamente como o Brasil. Contudo, uma pequena busca no Google direciona para centenas de notícias relacionadas a invasão de banheiros femininos por homens e importunação sexual por parte deles. E, sendo as políticas acima mencionadas de auto identificação, como seria possível resguardar mulheres de futuros constrangimentos e violências? O mínimo pensamento crítico demonstra a incompatibilidade de tais políticas com os interesses das mulheres e a WDI Brasil desafia qualquer pessoa interessada no tema a provar o contrário.
De tal modo retornarmos ao cerne da discussão atual e perguntamos como os candidatos e seus partidos se posicionam no tocante ao direito de meninas e mulheres a espaços separados por sexo, incluindo banheiros, e o que farão para reverter o que já aconteceu. Além disso, pedimos encarecidamente que assinem nossa Declaração, que foi traduzida para o português para a demonstração de compromisso público com os direitos de mulheres e crianças em seus diversos segmentos e realidades a uma vivência livre e garantindo sua segurança com classe assegurada por políticas públicas e legislações baseadas em seu sexo.
São Paulo, 19 de outubro de 2022.